A sinestesia costuma ser o mote de alguns
espetáculos e performances em teatro que se preocupam mais com o estímulo,
despertar e desvelar de sentimentos e emoções nos espectadores, do que com a
apresentação de uma narrativa que apresente uma história. Entretanto, dada à
especificidade estética e conceitual destas propostas, elas costumam ser
apreciadas apenas por um seleto grupo de pessoas que dispõem de repertório
capaz de compreendê-las dentro de sua própria linguagem e dos hibridismos que
as atravessam, borram e intercomunicam.
Esse é
caso de Liquidação, uma performance teatral com direção de
Maurício Casiraghi que propõe uma diversidade de sensações, por meio de
experimentações de diálogos entre os diversos atravessamentos de linguagens
artísticas, característicos do teatro contemporâneo. O espetáculo se desenvolve
com o ritmo de um desfile de prêt-à-porter,
mostrando diversas composições resultantes de um processo de concepção
elaborado com toda a disposição e ousadia de jovens artistas que se propõem à
experimentação cênica como processo de compreensão de suas sensibilidades
enquanto artistas em formação e, ao mesmo tempo, o fazem jogando essa busca
para o diálogo com a plateia. A comparação com o refinamento dos desfiles de prêt-à-porter não é feita ao acaso, pois
ao se jogarem à experimentação, os artistas ali expostos portam não somente a
instigação de sinestesia para a plateia, eles portam para si mesmos a busca
pela compreensão do que virão a sentir como artistas da cena.
O elenco formado por Diego Nardi, Gabriela
Chultz, Genises Azevedo e Talyta da Rosa não constroi personagens, nem se
insere em uma narrativa literária. O grupo experimenta diversos recursos em
cena. O diálogo com projeções, filmagens, exposição de imagens e utilização de
técnicas de vídeo com Chroma key além
de propor um diálogo não linear da cena com os espectadores, intensifica
algumas reflexões sobre o valor que damos às imagens, ao corpo e do quanto a
mídia pode colocar e manipular qualquer aspecto, expondo-o em uma banca de
liquidação, reduzindo seu valor e importância para que sejam vendidos e
consumidos a qualquer preço.
A iluminação de Lucca Simas é outro
elemento que se propõe à experimentação de como compor a cena e como se
relacionar com o contexto cênico e os espectadores na busca de desvendar os
mecanismos que levam a iluminação a desenvolver um processo de dramaturgia da
iluminação cênica. O espaço da Bibliotheca Pública Pelotense funcionou muito
bem para a proposta do grupo, pois além de propiciar que os espectadores fiquem
bastante próximos da encenação, possibilitava que o grupo experimentasse suas
pesquisas cênicas de caráter contemporâneo dentro de um prédio histórico,
construído no século XIX.
Obviamente que esse espetáculo faz parte de
uma proposta surgida nos bancos acadêmicos por jovens artistas em formação.
Esse fato talvez ressalte uma ânsia de todos os criadores ali envolvidos em
romperem com os conceitos engessados pelas mentes teóricas da academia e se
proporem ali, ao longo dessa experimentação, a descobrirem como se dá o
processo artístico longe dos livros e quando em contato com o público. O fato
de ser um trabalho experimental reduz a amplitude de abrangência de público
para esse espetáculo, assim como para as suas possibilidades comerciais e de empatia
com os espectadores em geral.
Mesmo assim, considero ser muito importante
que os artistas possam ter esses momentos em que se jogam à busca pela pesquisa
sinestésica para se compreenderem dentro de sua arte e, assim, poderem
desenvolver futuros projetos onde o público também esteja incluído nos
objetivos do prazer que a obra artística desenvolverá quando levada aos palcos.
No entanto, o grande desafio para os artistas aqui não reside apenas nas suas
pesquisas, mas sim em perceberem se o seu objetivo futuro será o de realizarem
pesquisas de linguagens artísticas para o desenvolvimento de conceitos
reflexivos intrínsecos a sua arte, ou de produzirem obras teatrais para o
deleite dos espectadores. Se os objetivos estiverem ligados à segunda situação,
esses jovens artistas já devem atentar para o fato de que o público em geral
não tem a obrigação de compartilhar dos seus referenciais conceituais,
estéticos e técnicos para serem tocados pelos espetáculos que lhes serão
apresentados.
Portanto, apesar da especificidade e
necessidade de repertório estético que dialogue com a formação desses artistas,
o espetáculo Liquidação, apresentado
em 29 de junho, não ficou hermético em sua proposta, uma vez que todos ali
presentes eram pessoas relacionadas às artes cênicas. Fica aqui uma dica para
quem desejar prestigiar um espetáculo que se propõe a mostrar a busca estética
de jovens artistas como se apresentadas em uma passarela, passeando rapidamente
pela quebra de fronteiras entre as linguagens artísticas e o aprofundamento nos
hibridismos entre elas.
Vagner Vargas
Ator – DRT: 6606
Crítico de Teatro
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