domingo, 3 de novembro de 2013

A Cena não Foi Abençoada



     No dia 23 de julho de 2013, foi apresentado, no Theatro Guarany, o espetáculo  Landel de Moura – O Incrível Padre Inventor, uma produção da Cia Teatral Face & Carretos, de Porto Alegre, dirigida por Camilo de Lélis. O público presente pode conhecer um pouco da história de um importante inventor brasileiro, desconhecido pela população em geral.

     O padre Landel de Moura viveu na virada do século XIX, para o século XX, em Porto Alegre. Um de seus inventos mais conhecidos foi um aparelho capaz de transportar a voz das pessoas a longas distâncias e permitir que elas pudessem se comunicar por meio de ondas eletromagnéticas, mesmo estando longe umas das outras. O padre percorreu diversos estados brasileiros e até mesmo outros países para divulgar os seus inventos e também estudar fenômenos que a ciência da época acreditava serem de impossível explicação. Obviamente que, assim como todos aqueles que estão à frente do seu tempo, Landel de Moura foi chamado de louco e o seu protótipo do que hoje conhecemos como telefone foi considerado uma fraude, algo que seria impossível de funcionar.

     A montagem da Cia Face & Carretos, com dramaturgia de Hercules Grecco faz o registro histórico desse importante e esquecido personagem da ciência nacional. Talvez, esse seja o maior predicado do espetáculo.

     Os cenários, adereços e efeitos de Alexandre Fávero conseguem compor uma unidade estética. Entretanto, alguns elementos de cena e partes do cenário são explorados em poucos momentos, sem serem realmente importantes para a construção narrativa do espetáculo. Cenários muito grandiosos, quando não estão extremamente inseridos na concepção da linha dramatúrgica, passam mais a imagem de um cenário grande, do que de um elemento importante dos acontecimentos cênicos.

     A iluminação, criada por Fernando Ochôa, teve que ser adaptada às condições estruturais do Theatro Guarany, o que, provavelmente afetou a qualidade da sua concepção. Mesmo assim, era possível perceber na dramaturgia de iluminação a existência de linhas narrativas em consonância com o texto de Grecco.

     Os figurinos de Fabrizio Rodrigues possuíam uma unidade estética. Porém, os figurinos do elenco feminino, apesar de serem muito bonitos, me pareciam um pouco sensuais demais para aquele período histórico. A beleza das atrizes do espetáculo já é ressaltada por si só, não havendo a necessidade dos figurinos pretenderem enfatizar ainda mais essa peculiaridade, pois não é o objetivo da narrativa.

     Em certo momento do espetáculo, um dos atores faz uma piada descontextualizada, trazendo uma situação atual, comumente exposta nos canais de TV. Entretanto, a piada não funcionou, perdeu o time e ficou totalmente fora de contexto, mesmo sendo uma piada propositalmente posta como um momento de quebra do espetáculo. Não há a necessidade de buscarmos o riso fácil e a obviedade no teatro. Quando houver a comicidade, ela se dará por si só, sem precisarmos “forçar a barra”. Além disso, a necessidade de se fazer uma referência televisiva nos espetáculos teatrais apenas empobrece a qualidade da linguagem teatral.

     Outro momento do espetáculo que me chamou a atenção, foi uma rápida cena de nudez, quando uma das atrizes levanta o vestido rapidamente e está nua por baixo do figurino. Não há a necessidade dramatúrgica daquela personagem mostrar a sua genitália naquele momento. O que acontece apenas reduz o texto a ser ilustrativo do que está sendo dito, passando a imagem de que o objetivo, ali, era somente mostrar a genitália da atriz, sem uma justificativa dramática para tanto. Estamos em 2013, o nu não choca mais ninguém, mas isso não justifica que ele seja descontextualizado, senão ele pode fazer com que uma cena do espetáculo perca a sua intensidade dramática, apenas porque há um desejo em expor o corpo dos atores.

     O elenco do espetáculo é composto por Leonardo Barison, Renata de Lélis, Luis Franke, Ariane Guerra, Rafael Franskowiak, Plinio Marcos Rodrigues, Wagner dos Santos e Flávio Silveira. Apesar de alguns nomes do elenco serem atores bastante experientes nos palcos gaúchos, em alguns momentos a peça perdia a sua força, parecia que os atores cansavam em certas cenas e deixavam a energia do espetáculo desabar. O ator que interpreta o protagonista do espetáculo, Leonardo Barison, não compromete em cena. Porém, ficou faltando um pouco mais de humanidade, profundidade e paixão ao personagem, já que uma pessoa com a história como a de Landel de Moura, provavelmente, carrega em si uma grandiosidade de alma que não era vista em cena.

     Renata de Lélis é uma atriz bastante conhecida dos nossos palcos e com um vasto repertório técnico. Os momentos em que ela canta em cena prendem a atenção dos espectadores. Mas, ainda sinto que a sua personagem merecia uma intensidade e profundidade maior no contexto narrativo para que Renata pudesse explorar melhor as suas qualidades cênicas. Ariane Guerra faz um ótimo contraponto a todos os atores quando está em cena. É o tipo de atriz que se propõe ao jogo e segura a cena, disfarçando até mesmo os momentos em que o espetáculo começa a se perder no marasmo e falta de energia.

     Camilo de Lélis é um importante e competente diretor de teatro. Apesar da grandiosidade da montagem desse espetáculo, acredito que o diretor poderia ter se focado mais nos seus dotes de excelente diretor de atores, do que propor uma montagem flamboyant. O espetáculo se torna monótono em alguns momentos, criando uma barriga em outros, o que poderia justificar muitos e eficientes cortes no texto e até, quem sabe, de cenas inteiras, para que o espetáculo ganhasse um pouco mais de ritmo e não ficasse tão enfadonho de se assistir.

     Até me sinto duro demais ao fazer essa crítica ao trabalho de Camilo de Lélis, tendo em vista o respeito e admiração que eu tenho ao seu trabalho. No entanto, justamente por conhecer outros espetáculos onde esse diretor focou a sua atenção à qualidade da direção de atores, chamo a atenção para esse fato, pois gostaria de voltar a ver essa qualidade nas suas peças novamente.

     Portanto, apesar da importância histórica do padre Landel de Moura, acredito que o espetáculo deixou a desejar a partir do momento em que se perdeu no ritmo com que a narrativa foi desenrolada. Mesmo assim, deixo aqui o registro das congratulações a essa companhia por ter ressuscitado a história de um personagem pouco lembrado pelos livros de história.

Vagner Vargas
Ator – DRT: 6606

Crítico de Teatro

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