Não foram
poucas as vezes que eu escrevi críticas sobre peças de teatro infantil em que
as montagens ou se direcionavam mais aos adultos ou tratavam as crianças como
seres desprovidos de inteligência. Todavia, quando assisto a um espetáculo que
consegue levar teatro de boa qualidade ao público infantil, não me restrinjo de
enaltecer e ressaltar todos os predicados positivos que podemos atribuir ao
trabalho.
O texto a seguir se refere à apresentação do
espetáculo O Vendedor de Palavras, do
Grupo Mototóti, de Porto Alegre, apresentado no dia 04 de junho de 2013, no
Theatro Guarany, em Pelotas. A peça aborda o incentivo à leitura por meio de
uma história repleta de aventuras e estímulos ao lirismo do universo existente
em nossa imaginação. A maneira como os atores Fernanda Beppler e Carlos
Alexandre concebem e desenvolvem o espetáculo traça um ótimo paralelo com o
prazer despertado pela leitura. Sem caírem no jogral ou nas saídas óbvias, os
atores vendem muito bem a ideia de que a leitura é algo prazeroso, divertido e
que pode ser muito positiva em nossas vidas.
A direção de Arlete Cunha coloca a sua mão com delicadeza e sabedoria, conseguindo fazer com que todo o espaço cênico seja utilizado de maneira eficiente ao longo do espetáculo. Além disso, sua direção dialoga profundamente com o entrosamento cênico dos atores, gerando um espetáculo de forte empatia com o público.
As personagens criam situações e
brincadeiras de maneira muito inteligente, jogando com o significado das
palavras e despertando a curiosidade dos jovens espectadores em terem um
conhecimento mais profundo sobre o mundo das letras. Além disso, a maneira como
a dramaturgia do espetáculo, concebida por Rodrigo Monteiro, a partir da cônica de Fábio Revnol, consegue prender a atenção das
crianças, despertando a sua curiosidade, levando o lúdico, estimulando a
imaginação e fazendo-as refletir durante todo o desenrolar da história. No que
se refere ao domínio e a utilização adequada das diversas técnicas teatrais, os
atores merecem todos os elogios, pois conseguem fazer uso do seu vasto
repertório de maneira muito coerente e extremamente apropriada ao público
infantil.
Os figurinos concebidos por Coca Serpa são funcionais, coesos na
identidade visual do grupo, colaboram na construção da imagem das personagens e
nas diversas situações que elas enfrentam. Mesmo desvelando aos espectadores
que os figurinos não correspondem a uma ideia de ilusão de personagens que
apenas poderiam viver no mundo dos palcos, os atores não inviabilizam que as
crianças recebam essa informação e a signifiquem como possibilidade de comporem
o seu universo imaginário. Essa situação é bastante interessante, pois a
maneira como os atores trocam de figurinos em cena e mostram que pequenos
elementos de cena podem colaborar para identificar um personagem, também mostra
às crianças que elas podem se utilizar dessas ferramentas para criarem os
personagens em suas brincadeiras diárias.
O cenário do espetáculo, concebido por Carlos Alexandre e Zoé Degani, é compacto e
extremamente funcional. Fica evidente que há um intenso trabalho do grupo em
utilizar todos elementos de maneira criativa, estimulando o lúdico e mostrando
que, com pequenas ações, um mesmo objeto pode se transformar em diversos
cenários. Essa também é uma das características de estímulo ao lúdico muito bem
desempenhadas pela equipe. Nenhum elemento de cena ou peça de cenário é posta
ali em vão, nada é meramente ilustrativo, tudo faz parte de uma concepção
orgânica onde o objetivo maior é contar uma história.
Outro fator positivo do espetáculo é a
trilha sonora executada ao vivo pelos próprios atores que tocam os instrumentos
e cantam ao mesmo tempo. Música ao vivo sempre agrega uma qualidade maior ao
espetáculo e provoca um encantamento mais eficiente em qualquer plateia. Os
atores dominam muito bem as técnicas musicais tanto para os instrumentos,
quanto para a voz. Esse é um aspecto muito importante, pois sempre defendo que,
quando um ator deseja cantar ou tocar um instrumento em cena, ele deve, acima
de tudo, dominar essas técnicas. Nesse caso, Fernanda e Carlos mais que dominam
essas técnicas e conseguem trazer os espectadores para dentro da cena, enquanto
desenvolvem a trilha musical do espetáculo.
Além de tocarem as músicas ao vivo, os
atores também manipulam bonecos e utilizam técnicas de máscaras cênicas em
cena. A criação dos bonecos e máscaras ficou por conta da Cia Gente Falante, que soube executá-los com maestria. Fica evidente que os atores dominam muito bem as técnicas corporais e que
sabem tirar o melhor proveito do seu repertório para construírem suas
personagens com a verossimilhança que o público infantil merece. Apesar de
identificar os diversos referenciais de técnicas corporais e de outras tantas
técnicas teatrais presente nas atuações de Fernanda e Carlos, os atores
conseguem utilizá-las de maneira muito eficiente e criativa para que não
transpareçam como demonstrações de técnicas teatrais. Dessa maneira, os atores
possibilitam que os espectadores se envolvam na narrativa, acreditem na verdade
das personagens e mergulhem no imaginário da história.
Também não posso deixar de destacar o forte
entrosamento dos atores em cena, assim como o ritmo e time perfeito com que eles conduzem a história, jogando de maneira
bastante eficiente, sem deixarem a energia cair em nenhum momento. Além disso,
há outro aspecto que não se consegue aprender em nenhum livro, muito menos em
nenhuma escola de teatro: o carisma. Os dois atores são extremamente
carismáticos e as crianças se identificam muito com eles.
Além da qualidade artística do Grupo
Mototóti, vale ainda ressaltar o importante papel que eles cumprem não apenas
em levarem uma peça de teatro para a apreciação do público infantil, mas também
por estimularem o lúdico, o imaginário e, acima de tudo, o prazer e importância
da leitura. Desse modo, finalizo esse texto re-re-re-re-enfatizando que o
espetáculo O Vendedor de Palavras funciona como um exemplo de peça de teatro que
deveria ser ofertada frequentemente as nossas crianças.
Vagner Vargas
Ator – DRT: 6606
Crítico de Teatro
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