segunda-feira, 13 de maio de 2013

Ensaio Sobre a Repetição




Em uma perspectiva de mundo contemporâneo, repleto de informações múltiplas e simultâneas, muitas vezes o ser humano se vê perdido nesse meio, ou passa a somatizar esses problemas, revertendo-os em transtornos psicofísicos. A rotina sem questionamentos e criticidade pode levar as pessoas a uma automatização do seu dia a dia. Entretanto, havendo a percepção da repetibilidade factual diária, o indivíduo necessita de força, disposição, coragem e boa vontade para mudar os acontecimentos de sua vida.

Situações relacionadas a essas temáticas foram expostas no espetáculo “Ensaio Sobre a Repetição”, apresentado no dia 17 de julho de 2012, na Bibliotheca Pública Pelotense, pelo Grupo Barraquatro, de Porto Alegre/RS. Com direção de Júlia Rodrigues, trilha sonora executada ao vivo por Rodrigo Pereira, Tomás Dornelles Piccinini, Ettore Sanfelice e, no elenco, Sofia Vilasboas e Carolina Pommer, a peça conta com uma dramaturgia elaborada a partir de improvisações relacionadas a histórias pessoais das atrizes e fragmentos de textos de Fernando Pessoa, Sarah Kane e Gabriel Garcia Marquez.

A peça reflete sobre padrões de aprendizado, comportamento, suas reprodutibilidades, hábitos cotidianos e relações sociais. A maneira como o texto é conduzido nos leva a ponderar sobre qual a singularidade ou autoria dos nossos atos em sociedade. Seriam eles originais ou meras repetições? Muito embora se possa fazer esse tipo de leitura sobre a proposta do grupo, ela não fica evidentemente ilustrada no espetáculo, já que, por vezes, a dramaturgia fragmentada em demasia, pode desviar a atenção do espectador para o excesso de ações cênicas.

O fato de a direção ter optado por uma repetição de partituras de ações que se prolongam durante o espetáculo, utilizando garrafas como elementos que constroem o espaço cênico, foi um bom achado. Essa peculiaridade, trazia à tona um caráter neurastênico às personagens e não muito distante de alguns comportamentos sociais comumente observados nos dias de hoje. Além de oferecer uma perspectiva estética diferenciada, as garrafas ajudam a compor a “colcha de retalhos” que compõe o espetáculo.

A trilha sonora executada ao vivo se mostrou como um fator agregador positivo ao resultado do trabalho. Os músicos intervinham nos momentos corretos, totalmente concentrados no que estava sendo contado em cena. Além disso, a trilha favoreceu muito a comunicação entre a proposta estética, trabalho corporal das atrizes e sua relação com os espectadores.

As duas atrizes, apesar de bem jovens, conseguiam segurar a história, imprimindo-lhe ritmo, empatia e diálogo com os espectadores. Fica bem claro que o grupo realiza um trabalho com embasamento em alguma das vertentes do teatro físico, uma vez que, se as atrizes não dispusessem dessa formação, não conseguiriam imprimir o vigor técnico que levam para a cena. O frescor da juventude e da imaturidade cênica conseguem funcionar com combustível para mostrar aos espectadores a felicidade, força, garra e vontade que todos aqueles jovens artistas estão tendo em levar essa história até o contato com o público.

Porém,  faltou profundidade na abordagem das temáticas apresentadas pela maneira como a dramaturgia estava disposta. Essa qualidade não é uma característica que os bancos acadêmicos, livros e cursos nos trazem por si só. Eles nos servem como repertório, mas a maturidade cênica e de vida, como um todo, nos propiciam outras percepções e significados sobre cada palavra que estamos dizendo no palco e isso transparece ao espectador com muita intensidade.

Portanto, gostaria de deixar como último registro a felicidade de assistir a esse espetáculo em um espaço tão belo, como a Bibliotheca Pública Pelotense. Além de estarmos inseridos num espaço histórico, o local oferece plenas condições para que espetáculos de teatro, dança, música e performance possam ser ali apresentados. Ademais, também acredito que esse possa ser um meio para fazer com que o público pelotense volte a frequentar a sua biblioteca pública, não apenas como um espaço de leitura e pesquisa, mas como um centro cultural capaz de abrigar as mais diferentes formas de expressão artística.

 Vagner Vargas
DRT – Ator – 6606 – Crítico Teatral.

Texto publicado em 19/08/2012

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