segunda-feira, 13 de maio de 2013

O Naufrágio do Barquinho


No dia 05 de Abril de 2011, o Grupo Timbre de Galo, da cidade de Passo Fundo/RS, trouxe a Pelotas o espetáculo infantil A Viagem de Um Barquinho, livre adaptação do grupo, baseada na obra de Sylvia Orthof. Durante 50 minutos, os espectadores presentes no auditório externo do Colégio Municipal Pelotense puderam acompanhar o desempenho de um dos grupos de teatro com maior número de montagens teatrais circulando pelo interior do Rio Grande do Sul nos últimos anos.

Para aqueles que conhecem o texto original, ficou evidente que a trupe de artistas optou por fazer grandes cortes no enredo da história, retirando alguns personagens que traziam algumas explicações sobre a temática abordada. No entanto, para manter o ritmo e prender a atenção do público, os artistas optaram por costurar as cenas por meio de músicas que explicavam os próximos acontecimentos ou algumas situações que haviam sido excluídas do texto de Sylvia Orthof. Porém, muitos assuntos importantes foram deixados de fora, impossibilitando que certas temáticas pudessem fomentar discussões futuras entre educadores e educandos ali presentes.

Realmente, a direção musical foi o que havia de melhor nesse espetáculo. Como de costume, o Grupo Timbre de Galo tem seu ponto forte na abordagem musical de suas montagens, o que, em muitos locais, tende a prender a atenção do público. Como esses artistas dedicam suas montagens para apresentações nas ruas, a trilha sonora costuma funcionar como um atrativo para atrair o público. Devido ao fato do elenco ter formação musical, todos os membros do grupo intercalavam-se na execução das músicas ao vivo, ora cantando, ora tocando algum dos instrumentos, ou atuando como um dos personagens da história. Nesse espetáculo em questão, a direção musical optou por adaptar trechos do espetáculo em ritmo de músicas típicas do tradicionalismo gaúcho, intercalando com algumas bem conhecidas nesse estado. No entanto, para o público infantil pelotense de nada adiantou, pois a plateia não se identificou, nem tão pouco se interessou pela trilha musical.

Apesar da versatilidade musical dos atores, alguns personagens perdiam a sua força cênica, ao passo que foram adotadas peculiaridades estereotipadas para caracterizá-los, como, por exemplo, a lavadeira negra, a bailarina branca de cabelos lisos, o sol com vestimentas típicas do tradicionalismo gaúcho e etc... Devido aos cortes textuais, o público infantil não conseguia se fixar no enredo, nem no encadeamento entre as cenas, já que as músicas, ao invés de funcionarem como elo de ligação, acabavam por dispersar as crianças da história que estava sendo contada. Além disso, devido aos estereótipos adotados, os atores não conseguiram atribuir caráter de verossimilhança nos personagens, o que, simplesmente, distraía o público infantil mais para o que acontecia ao seu redor na plateia, do que para o que estava sendo apresentado no palco.

Além disso, a concepção de cenário e figurinos também pecou pela utilização de alguns elementos que não funcionaram ou não foram explorados em cena como poderiam ter sido. Embora tenham utilizado um figurino neutro para atores enquanto executavam as músicas, no momento de atribuir identidade aos personagens que seriam interpretados, foram utilizados elementos que salientavam essas características em demasia, atribuindo um tom over à concepção de cada personagem. Outro aspecto importante que um figurinista deve pensar se refere à escolha dos tecidos utilizados para que eles não reflitam ou alterem sua cor de acordo com a iluminação utilizada, se esse não for o objetivo da montagem. Nesse caso, em vários momentos, os tecidos com brilhos acabaram desviando a atenção do público para o figurino, ao invés de perceberem-no como um todo na concepção do personagem. Nessa perspectiva, também saliento que, mesmo utilizando tecidos brancos como cenário como se fossem varais de roupas que a lavadeira estaria estendendo, essas informações não foram exploradas em cena, fazendo com que os tecidos parecessem apenas uma meia dúzia de panos pendurados no palco.

Uma questão importante de ser salientada se refere aos estereótipos que explicitei anteriormente, uma vez que espetáculos infantis além de oferecerem uma oportunidade para as crianças terem contato com uma obra artística são formadores de opinião. Em pleno século vinte e um, ainda vermos personagens como a negra serviçal ou o gaúcho gay vão totalmente de encontro a todas as conquistas sociais das últimas décadas. Não apenas isso, como também, de certa forma acabam por legitimar certas normatizações sociais que muitos grupos sociais lutam para que caiam por terra. Em função disso, acredito que qualquer tipo de adaptação teatral visando o público infantil deva estar muito bem esclarecida sobre a responsabilidade social da sua obra frente a uma população ainda em processo de formação.

Portanto, apesar dos problemas de concepção, a apresentação do espetáculo A Viagem de Um Barquinho pelo Grupo Timbre de Galo saiu com um saúdo positivo para a cidade de Pelotas, uma vez que há uma grande escassez de montagens teatrais voltadas para o público infantil nessa cidade. Ademais, o contato com obras artísticas é imprescindível para a formação de plateias futuras, pois a conquista de um público futuro se torna muito difícil se ele não está habituado a frequentar teatros, sobretudo no mundo contemporâneo onde a velocidade de informações e difusão de outras linguagens competem diretamente com a linguagem teatral.

Vagner Vargas
DRT – Ator – 6606 – Crítico Teatral.

Publicado em 27/04/2011

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