segunda-feira, 13 de maio de 2013

Esperando o Metrô no Bistrô


Na estreia da edição de 2010 do projeto Cena Literária, no dia 26 de maio, desenvolvido pela Prefeitura Municipal de Pelotas, a Cia Pelotense de Repertório apresentou a esquete Esperando o Metrô, traduzido e adaptado por Joice Lima a partir do texto da espanhola Paloma Pedrero. No elenco estão Alexandro Ayres e Joice Lima, com direção coletiva do seu grupo. Desde que o Cena Literária foi idealizado pela atriz/diretora Bartira Franco, destina-se a fazer apresentações de esquetes baseadas em alguma obra literária, com um debate sobre o autor e a temática do texto, logo após a apresentação.


Apesar de ser um dia daqueles bem frios, comuns em Pelotas no final de maio, especialmente, às 18h30min, horário em que este projeto é apresentado, o local destinado às apresentações estava lotado. Obviamente que, com o fechamento do Teatro Sete de Abril, sem perspectivas de reabertura nos próximos meses, a prefeitura deslocou este projeto do foyer do Teatro, para o local onde funcionaria um Bistrô na Secretaria de Cultura (Secult) deste município. Acredito que a possibilidade de mostrar ao público que não existem delimitações espaciais destinadas às apresentações teatrais seja sempre válida, uma vez que propicia ao público a reflexão de que o evento teatral pode transcorrer em qualquer local e não apenas nos tradicionais palcos italianos. Entretanto, não basta somente deslocar as apresentações para este ou aquele local, há a necessidade de que se forneça estrutura para que os artistas possam desenvolver a sua arte com dignidade e ao público para que possa desfrutá-la plenamente.

Neste sentido, refiro que o Bistrô da Secult é um lugar aconchegante que permite uma aproximação entre artistas e público de maneira satisfatória. Porém, o local é pequeno e não conseguirá atingir às possibilidades de lotação de expectadores, como as observadas no Foyer do Teatro Sete de Abril. Saliento este fato, pois o local escolhido pela Secult restringirá o público das próximas edições do projeto, já que a lotação será rapidamente esgotada. Neste dia de estreia, percebia-se que a maior parte dos espectadores eram funcionários da própria Secult e da Prefeitura de Pelotas, o que a meu ver, foi um ganho válido, pois, sugeriu o interesse dos trabalhadores deste setor em prestigiar os movimentos artísticos promovidos pela entidade à qual estão ligados.

Inicialmente, os objetivos do projeto Cena Literária destinavam-se à discussão e à reflexão de obras literárias, seus autores, temáticas e etc..., utilizando-se para isso uma breve representação teatral. Entretanto, parece que esta peculiaridade se perdeu, uma vez que, neste dia, não houve o tradicional debate após a apresentação. Observo este fato como uma falha da organização do evento, pois deveriam ter se dirigido ao público, após a apresentação dos artistas, explicado à plateia que não haveriam mais os debates e as razões para que eles não houvessem. Destaco esse tema, pois a atual organização do Cena Literária talvez desconheça os objetivos do projeto inicial e da importância destes debates para a comunidade. Realmente, foi uma oportunidade perdida, já que a tradutora do texto era a própria atriz que estava representando a cena em questão, o que, por si só, poderia propiciar uma reflexão muito interessante com os presentes sobre a temática apresentada. Neste sentido, este projeto perde a sua característica peculiar de fomentador do diálogo entre literatura e teatro com o público presente, o que dá margem ao questionamento do apoio e incentivo dos órgãos gestores da cultura local sobre o fomento às artes cênicas nesta cidade, visto que este é o único projeto no momento e apenas possibilita a montagem de esquetes teatrais, sem investir em montagens artísticas ou espetáculos performáticos, independentemente da linguagem ou poética adotada pelos artistas. Ainda assim, ressalto a falta que os debates, diálogos e reflexões entre público, artistas e pesquisadores farão neste projeto e para toda a comunidade pelotense.

Além disso, observei que este projeto dispõe de um cenotécnico específico, o que é de grande valia para auxiliar os grupos de teatro na montagem da estrutura técnica no local e para preservar os equipamentos de som e luz, pertencentes ao poder público. Todavia, não basta apenas fornecer aparelhagem técnica e mão-de-obra, se não há uma sinergia entre trabalho técnico e artístico. O que saliento, neste caso, foi o fato do iluminador deslocar um refletor de luz durante a apresentação, em frente ao público, pois ele havia o posicionado erroneamente para aquela cena. Claro que este fato não atrapalhou em nada ao desempenho dos atores que seguraram a cena da mesma forma, sem perderem o ritmo, nem a concentração. Mas, este tipo de atitude de desleixo, no meu ponto de vista, é um desrespeito ao trabalho artístico, posto que a estrutura técnica deve estar pronta, montada e afinada muito antes do público chegar no local. Neste sentido, não se justifica que o técnico em iluminação tenha se deslocado à frente da platea para afinar um foco de luz. Este tipo de ato passa uma impressão de que a estrutura é mais um esboço do que, realmente, o arcabouço necessário a uma apresentação artística. 

Aproveitando que falo de iluminação, em Esperando o Metrô, o grupo optou por utilizar uma iluminação geral, limpa, sem variações cromáticas, o que esteve muito adequado à proposta. Apenas em um momento foi utilizado o recurso de Black out, muito oportuno por sinal, pois esta situação de escurecimento foi muito explorada durante o século XX, como recurso cênico, principalmente, para mudanças de cenas. Particularmente, tenho minhas restrições quanto ao uso de Black outs desnecessários, pois muitas vezes são utilizados para esconder precariedades de encenação. Contudo, no caso do espetáculo da Cia Pelotense de Repertório, este recurso foi utilizado com cautela e no momento oportuno. A iluminação costuma ser um atributo pouco percebido pelos encenadores e pelo público. Talvez este aspecto esteja na falta do esclarecimento entre a figura de um cenotécnico e de um iluminador. Enquanto o primeiro destina-se apenas à montagem e manutenção do aparato técnico envolvido neste recurso cênico, o segundo é responsável pela criação artística de uma dramaturgia de luz, consonante com a montagem em questão. No entanto, observa-se uma escassez de iluminadores capazes de comporem uma dramaturgia de luz na cidade de Pelotas. Este fato faz com que atores e diretores realizem esta tarefa, entregando a responsabilidade final pela operação desta atividade nas mãos de técnicos, nem sempre preparados para compreender a organicidade de todos os elementos que compõem o evento teatral. Outra situação decorrente deste fato acontece quando não há compreensão por parte dos grupos de teatro sobre a importância da iluminação cênica e da diferença entre “clarear uma cena”, “escurecer o ambiente” e “fazer um show no estilo árvore de Natal”. Mas, não me aterei tanto a este tema neste texto, deixo para as minhas futuras críticas e para que os artistas locais prestem mais atenção neste aspecto.

Com relação aos atores, foi possível observar a opção por uma montagem realista, muito oportuna para a adaptação do texto. Neste esquete, foi contada história de uma mulher neurótica que fica presa numa estação de metrô com um homem rude. Após um estranhamento, a ansiedade da personagem feminina beirava a taquilalia em alguns momentos, despertando uma vontade no público em fazê-la calar-se e resolver a situação calmamente. Neste sentido, a atriz Joice Lima deu o tom necessário à personagem, gerando esta inquietação no público presente, ansiando para que a situação fosse resolvida no menor tempo possível. Em contrapartida, Alexandro Ayres forneceu a oposição necessária à atuação de sua colega, agindo de maneira mais sutil e calma. Assim, através deste contraponto, a situação acabou adquirindo um tom cômico, com nuances que deram ritmo à apresentação. Se o grupo tivesse optado por um ritmo frenético de personagens falando e movimentando-se velozmente, no intuito de ressaltarem atuações virtuosísticas, possivelmente, o resultado final seria negativo, ou, no máximo, melodramático, se assim o fosse a proposta. Acredito que o personagem interpretado por Alexandro poderia ter sido melhor explorado no texto e na encenação, pois havia nitidamente uma tensão sexual no subtexto entre os personagens. Entretanto, esta faceta não foi desenvolvida como poderia na contracenação. Isto em nada afetou a qualidade do esquete, nem das atuações, mas percebe-se que houve uma opção por demasiado cautelosa por parte da direção em explorar esta relação entre as personagens.

Outro aspecto que também gostaria de ressaltar, foi a arriscada linha tênue de atuação adotada por Joice para construir a sua personagem, alternando momentos de ansiedade arfática, com rigor elocutório textual. Este tipo de atuação costumava ser muito comum, durante as décadas de 80 e 90 nesta cidade, caracterizando um tipo de proposta de encenação muito comum naqueles tempos. Entretanto, raramente, este tipo de atuação atingia o ponto correto, restando ao público, apenas um espetáculo de arfadas repletas de canastrices, utilizadas como recurso estilístico, no intuito de mascarar a incapacidade de alguns encenadores em dirigir seus atores e de alguns participantes dos espetáculos em transparecerem a sua incapacidade artística. Porém, Joice Lima conseguiu transitar por esta fronteira, sem prejudicar o resultado do seu trabalho, inclusive atribuindo-lhe uma qualidade peculiar. Por outro lado, Alexandro Ayres também soube conduzir o seu personagem num outro extremo de atuação, percebendo os momentos exatos de aproximação entre as personagens, dando o tempo certo para a comicidade da cena, sem os exageros humorísticos presentes em outras linguagens artísticas.

Portanto, termino este texto dizendo que Esperando o Metrô foi uma agradável opção de lazer de fim de tarde para todos os presentes. Porém, não posso deixar de comentar o fato da senhora, sentada na primeira fileira da plateia, que, no momento do clímax do espetáculo, nos brindou com os toques do seu celular, atrapalhando público e atores. Até quando os pelotenses continuarão a pensar que atender telefones em teatros e cinemas é chique?

Vagner Vargas
DRT – Ator – 660


Texto publicado em 06/06/2010

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