segunda-feira, 13 de maio de 2013

Hibridismo, Ousadia e Arte Tendo o Teatro como Cenário e Contexto




            No dia 14 de setembro de 2012, os atores Ana Laura Barros Paiva, Lumilan Noda, Tai Fernandes e Tatiana Duarte, apresentaram o espetáculo “Olhar do Outro” em frente ao Theatro Sete de Abril. Já que o único teatro público da cidade de Pelotas está fechado, o grupo aproveitou a oportunidade para levar o seu trabalho para a rua, utilizando a fachada do prédio como seu cenário e o fazer artístico como mote de suas discussões.

Tendo o texto “A Gaivota”, de Anton Tchekhov, como referencial inicial de pesquisa, a diretora Alexandra Dias nos propõe um espetáculo que dialoga com outras linguagens artísticas, rompendo com as barreiras limitantes entre as diversas artes. Além do texto do escritor russo, o grupo utilizou textos de Rubens Figueiredo e Robert Patrick para compor a dramaturgia do espetáculo.  Além disso, a história era costurada por momentos, relatos e vivências pessoais de cada ator, dialogando com as passagens textuais dessas obras literárias, com o intuito de refletirem sobre o fazer teatral e a condição do artista no mundo contemporâneo.

Com um caráter de intervenção cênica no espaço público da cidade, o grupo propõe aos espectadores, além de outras abordagens, a discussão sobre qual o papel e o lugar do ator na sociedade. Essas reflexões acabavam sendo potencializadas pelo fato de estarmos assistindo a todos esses fatos, tendo como cenário de fundo um belo teatro, construído no século XIX, que hoje permanece fechado e representando o descaso que as artes cênicas sofrem nas políticas atuais.

O trabalho que os atores tiveram em se expor da maneira corajosa como fizeram, desvelando suas fraquezas pessoais, propiciou aos espectadores uma aproximação de histórias de vida que se identificam com os conflitos dos personagens literários. Esse tipo de diálogo entre ficção e realidade, relatos pessoais e textos dramatúrgicos vem sendo utilizado em diversos trabalhos artísticos que desejam desassossegar o espectador do seu olhar viciado nas estruturas formais e tradicionais das artes. Essas propostas além de oferecem ao público uma relação mais próxima com o contexto representado, lhe fomentam uma percepção diferenciada, um outro modo de encarar e se relacionar com os mais diversos tipos de situações que acontecem a sua volta.

 Nesse sentido, muitas vezes um espetáculo não precisa de palavras e expressões textuais, uma vez que suas imagens podem dar vazão a uma série de abordagens e os artistas não necessitam delimitá-las dentro de um contexto definido. Por esse motivo, a opção pode ser pela exposição dessas imagens e deixá-las para que o público vá compondo os espaços lacunares, conforme é tocado naquele momento.

Sendo assim, o trabalho em questão nos expôs uma série de imagens lindas, não apenas nas projeções, mas também na movimentação dos atores e na maneira como eles se relacionavam com todos os signos que estavam ali sendo expostos. Desse modo, não posso deixar de elogiar a maneira como o grupo se apropriou e re-significou alguns quadros surrealistas, do pintor belga René Magritte, brindando a plateia com outras possibilidades de leituras daquelas obras e do peso que essas imagens imprimiam no contexto do espetáculo.

 O figurino elaborado por Larissa Martins vinha muito ao encontro do contexto da peça do dramaturgo russo. Mas, além disso, os trajes extremamente belos, elegantes e bem acabados já nos chamavam a atenção no início do espetáculo quando os atores vinham chegando à esplanada em frente ao teatro. Nesse momento, poderíamos traçar relações sobre a tradição histórica que a população dessa cidade tinha em se vestir bem para ir ao teatro durante o século XIX e início do século XX. Porém, agora, essas pessoas disporiam apenas do espaço ao ar livre para apreciar o espetáculo. Apesar dessa relação textual e da percepção crítica sobre a situação, os figurinos também dialogavam com as obras do artista belga utilizado como referência e estavam extremamente adaptados à funcionalidade cênica de que havia necessidade.

A trilha sonora original e os vídeos de Thiago Rodeghiero compunham um ambiente no qual, ao mesmo tempo em que intervinham na paisagem urbana com as projeções, traziam o foco cênico para as discussões que os atores estavam propondo. A polifonia de informações da performance era sublinhada e ressaltada pelas projeções muito pertinentes que ajudavam a ampliar o leque de leitura das imagens apresentadas. Além disso, o crédito e êxito das projeções também se devem ao fato de fugirem do lugar comum e simplista que vemos em algumas peças de teatro. A utilização de filmagem e projeção ao vivo também foi muito interessante para os espectadores observarem o diálogo entre duas linguagens, enquanto a atriz Tatiana Duarte apresentava um dos textos mais lindos e difíceis de “A Gaivota”.

A maquiagem utilizada pelo grupo foi muito adequada ao contexto da concepção de encenação e à luminosidade que teriam nessa apresentação na rua. A iluminação de Juliano Bonh Gass fez mágica e mostrou muita criatividade para adaptar os recursos técnicos para um local ao ar livre que não dispõe de estrutura técnica para apresentações teatrais à noite. Nesse sentido, todos os recursos foram muito bem utilizados colaborando para a ambientação e contexto cênico.

O elenco inteiro está de parabéns pelas suas atuações. Mesmo sendo atores tão jovens, trabalhando em um espetáculo em que a performance se direciona à multiplicidade de imagens que compõem à plasticidade cênica, conseguiram trazer seus universos pessoais para a identificação dos conflitos das personagens daquelas histórias. Além disso, apesar das adversidades, os atores conseguiram segurar o espetáculo, mesmo sofrendo interferências desagradáveis de delinquentes que tentaram prejudicar a apresentação.

Mais uma vez, sou obrigado a falar da falta de educação de algumas pessoas em relação aos espetáculos que são apresentados em Pelotas. Nesse caso, por ser uma performance ao ar livre, os artistas já sabem que estarão expostos a quaisquer adversidades que possam vir a acontecer. Entretanto, isso não justifica que algumas pessoas se julguem donas do espaço público e se outorguem o direito de agredirem não apenas quem está se apresentando, como também quem está assistindo àquela obra.

O fato em questão se refere a mais de uma dúzia de jovens que estavam naquele local e não queriam permitir que houvesse uma apresentação teatral naquele espaço, pois desejavam utilizá-lo para dançar e cantar rap e hip hop. Em primeiro lugar, a Praça Cel. Pedro Osório é um espaço imenso e essas pessoas poderiam ter ido se expressar em outro ponto da praça, uma vez que o grupo de atores possuía liberação da prefeitura para apresentar o espetáculo naquele local, ou, simplesmente, se sentarem e apreciarem o evento. Além disso, a quantidade de bebidas alcoólicas que aqueles jovens faziam questão de mostrar que estavam ingerindo, não nos ilustrava que o seu intuito era apenas de expressar as suas músicas.

Não foram poucas as vezes que eles gritaram e tentaram atrapalhar a encenação, dizendo que queriam rap e se utilizavam do fato desse tipo de expressão estar associada às pessoas de classe social menos favorecida para tentarem intimidar a plateia a não reclamar. Acredito que seja muito fácil e cômodo se colocar no lugar e no papel de injustiçado quando não se respeita o espaço dos outros. Pela quantidade de bebidas alcoólicas que passavam de mão em mão e as dimensões espaciais da praça, também não acredito que aqueles jovens estivessem apenas com o intuito de se relacionarem com a arte. Antes de tudo, se desejam ter o seu espaço, precisam saber respeitar o olhar do outro em querer desfrutar de outras expressões artísticas.

Apesar de a plateia ter presenteado esses jovens com a indiferença, para que pudessem assistir ao espetáculo, financiado pelo poder público, acredito que os espectadores pelotenses não possam continuar sendo expostos a esse tipo de situação nas apresentações ao ar livre. Sendo assim, saliento o meu protesto quanto à ausência de guardas municipais e/ou da brigada militar durante o evento.

Essa interferência foi tirada de letra pelo grupo de artistas e acabou se tornando apenas mais um ruído desagradável que vinha de fora do ambiente cênico. Mas, em nada afetaram à qualidade do trabalho que ali foi apresentado.

Portanto, considero que a proposta trazida em “Olhar do Outro” seja de grande valia para as discussões do papel dos atores na nossa cidade e da maneira como as políticas culturais não vêem tendo a devida importância nesse município. Nesse sentido, espero que o grupo ainda possa apresentar esse espetáculo, de maneira segura, em outras ocasiões para que mais pessoas possam ter contato com esse diálogo híbrido entre as artes.

 Vagner Vargas
DRT – Ator – 6606 – Crítico Teatral.

Texto publicado em 21/09/2012

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