sexta-feira, 31 de maio de 2013

Teatro Infantil Está Longe de Ser Fácil


Quando recebi a divulgação de um espetáculo infantil que seria apresentado no Theatro Guarany no dia 03 de abril de 2013, dois sentimentos surgiram. O primeiro de curiosidade pela obra que eu desconhecia e o outro de medo pela possibilidade de termos mais uma peça de teatro infantil com qualidade duvidosa e que trate as crianças como seres sem senso crítico.

Já comentei em outras críticas sobre o descaso com que alguns grupos de teatro tratam a concepção das peças infantis. Alguns atores criam personagens tão canastras que as crianças não demoram nem cinco minutos para se desinteressarem pela história. Outros diretores confundem desfile de carnaval com espetáculos para teatro e concebem encenações poluídas com fantasias em vez de figurinos; cenários desconectados da proposta, mas que esbanjam uma suntuosidade vazia; iluminação no estilo árvore de natal e músicas que costumam passar nos programas da TV aberta durante os domingos, ao invés de uma trila musical adequada ao contexto e ao público alvo.

Apesar de fazer essa introdução, não quero dizer que o espetáculo sobre o qual escreverei logo a seguir tenha cometido esses equívocos. Mas, sempre que se ouve falar de uma peça de teatro infantil, todas essas situações se tornam recorrentes e fazem necessárias de serem trazidas ao contexto de toda crítica teatral para que os leitores, quando forem ser espectadores de tais espetáculos, já se desloquem de suas casas com o olhar aguçado. Tomara que essas advertências já sirvam como estímulo a você que está lendo esse texto para criticar e negar os próximos espetáculos infantis que venha a assistir e se enquadrem nas características descritas acima. Os ganhadores dessa postura serão as crianças, pela exigência de qualidade superior nas peças de teatro que lhes são ofertadas.

O espetáculo Céu e Terra, Água e Ar, Tudo Fede Sem Parar..., baseado no texto alemão Wasser in Eimer, de Reiner Luckner e Stefan Reisner, tem a direção de Camilo de Lélis, dramaturgia de Ramón Berta Wayne, adaptação de José Lutzemberger, até que tem uma boa intenção ao se propor a contar uma história que incentiva o valor e a preservação do meio ambiente. No entanto, a história não saiu do palco. As crianças não se identificaram e não “viajaram” no enredo. Isso se tornava perceptível pelo fato da enorme dispersão das crianças, além da agitação de costume em uma peça infantil. As crianças não prestavam atenção na história e mais queriam brincar na plateia do teatro, do que prestar atenção na peça.

Possibilidades para essa rejeição das crianças são inúmeras. Nesse sentido, vou me ater apenas as que acredito que pudessem ser resolvidas facilmente pelo diretor do espetáculo. Em primeiro lugar, um teatro como o Guarany que possui um sistema acústico direcionado para grandes espetáculos musicais, sempre causa um enorme problema aos atores, já que esses não costumam ter a técnica vocal dos cantores de ópera para conseguirem ser ouvidos em todos os cantos da plateia. Sobretudo, em um espetáculo infantil, onde sabemos que as crianças sempre permanecerão conversando e se manifestando durante toda a apresentação. Esse fato demanda que os atores tenham uma técnica vocal impressionante para que suas vozes consigam se sobressair as dos espectadores.

Mas, no caso do Teatro Guarany, fazer uma apresentação para o público infantil é quase que uma tortura para o elenco, já que a acústica do teatro não lhes favorece. Desse modo, acredito que caberia ao diretor constatar esse problema e providenciar microfones ao elenco para que as crianças pudessem ao menos terem escutado a história da peça. Talvez, esse tenha sido um dos motivos pelos quais os espectadores se mostravam tão desinteressados, pois eles, simplesmente, não ouviam o que estava acontecendo.

Sobre o elenco formado por Evandro Soldateli, Lisandro Bellotto, Elisa Lucas e Ana Schneider, destaco as participações dos dois atores, uma vez que seus esforços em se fazerem ser ouvidos obtinham melhores resultados. O destaque ficou para Evandro que conseguia desenvolver uma relação mais próxima com a plateia e controlá-los com mais facilidade que o resto do elenco, além de conseguir ter um volume vocal que lhe favorecia.

Algumas piadas fáceis e soluções simplistas para a história não funcionaram em nenhum momento. Além disso, me parecia que o texto continha piadas que apenas os adultos compreenderiam o subtexto delas. Todas elas eram desnecessárias à história daquelas personagens.

Outro fator me incomodou bastante foi a iluminação. O espetáculo foi muito mal iluminado. A maior parte do tempo havia pouca luminosidade. Os espectadores já estavam com dificuldade de ouvir os atores e ainda havia pouca luminosidade. As cenas eram escuras, sem terem a necessidade de ser. Não era uma opção estética de encenação. Se foi, ela estava incoerente com todo o resto do espetáculo. Além disso, apesar do equipamento de iluminação presente no local, os focos estavam mal afinados, criando sombras inclusive nos lados do palco, desviando a atenção a cada vez que eram acessos.

O público infantil carece de espetáculos teatrais. Porém, isso não significa que devemos descuidar da qualidade do produto artístico que ofertamos às crianças. Essas experiências e vivências serão importantíssimas na formação de plateias futuras e no desenvolvimento do senso estético dessas pessoas. Por esse motivo, reforço a necessidade de olharmos para o teatro infantil com olhos mais respeitosos e não o encararmos como uma fatia mercadológica de venda fácil para os espetáculos de teatro.

Mesmo tendo uma sensação desagradável em relação a esse espetáculo, saliento que todos os artistas envolvidos nessa montagem são bastante reconhecidos pela sua competência no meio artístico. Inclusive, observei o estado de exaustão que os atores ficaram após a apresentação, dadas as condições estruturais da casa de espetáculos. Porém, todas essas questões deveriam ser mais cuidadas pela produção da peça ainda durante o seu processo de ensaios.

Vagner Vargas
Ator – DRT: 6606
Crítico de Teatro


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